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Assim... Como
"O Próprio Indizível Pessoal"
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ÁGUA
"Tudo o que coração deseja
pode sempre reduzir-se à figura da água."
Aqua * Giuseppe Arcimboldo *1566
óleo sobre madeira, 66,5 x 50,5 cm
Viena, Kunsthistorissches
Vinde, ó meus amigos, na clara manhã,
cantar as vogais do regato!
Onde está nosso primeiro sofrimento?
É que hesitamos em dizer...
Ele nasceu nas horas em que acumulamos em nós coisas caladas.
O regato vos ensinará a falar ainda assim, apesar das dores e das lembranças, ele vos ensinará a euforia pelo eufuísmo, a energia pelo poema.
Ele vos repetirá, a cada instante,
alguma palavra bela redonda que rola sobre as pedras.
*Gaston Bachelard*
Dijon, 23 de agosto de 1941.
Enterrem Meu Coração na Curva do Rio
Dee Brown
A Canção Gracias a la Vida interpretada pela bela Mercedes Sosa
II
TerraTerra *Giuseppe Arcimboldo
— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
— é de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
— Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— é uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
— é uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— é uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
— Viverás, e para sempre
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
—— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
— Será de terra
tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
— Será de terra
e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
não se rasga nem se remenda.
— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
(bebeu teu suor vendido).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo)
(bebeu o moço antigo)
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
(bebeu tua força de marido).
— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
(através de parentes e amigos).
— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos)
(vive com tua mulher, teus filhos)
— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).
— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.
(te espera de recém-nascido).
— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.
— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.
teu corpo é a própria maniva.
— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.
és o rebolo, e não de caiana.
— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.
és agora o próprio grão.
— Já não tens força na perna:
deixa-te semear na coveta.
deixa-te semear na coveta.
— Já não tens força na mão:
deixa-te semear no leirão.
deixa-te semear no leirão.
— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.
só tua espiga debulhada.
— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.
só tua espiga no sabugo.
— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.
só a maçaroca banguela.
— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.
tua vida que deu sem soca.
— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.
milho negro e ressecado.
— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.
o rosário, seca semente.
— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha,
o rosário, semente maninha,
— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.
— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
semente inerte e sem salto.
— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito à viração.
que escapou de teu peito à viração.
— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
que fugiu de teu peito a brisa.
— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
lençol que não tiveste em vida.
— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
dando-te agora cama e coberta.
— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com que se dorme.
como mulher com que se dorme.
João Cabral de Melo Neto
in
Morte e Vida Severina
Morte e Vida Severina
III
Fogo
Fogo
Giuseppe Arcimboldo
O fogo é belo em si mesmo e entre os outros elementos está no nível das ideias. É o mais elevado, por sua posição, e o mais leve de todos os corpos pois é vizinho do incorporeo; é sozinho e não acolhe em si os outros elementos embora os outros elementos o recebam. Estes de fato podem se inflamar enquanto aquele não pode se resfriar. É o primeiro a ter em si as cores e as outras coisas recebem dele forma e cor.
*Plotino*"O que és, não o sabemos..."
Nem o saberemos, jamais!
"O que és, não o sabemos..." Nem (jamais) o saberemos...
Pavão Misterioso
(Ednardo)
Composição: EdnardoPavão misterioso
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse teu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha prá contar...
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse teu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha prá contar...
Pavão misterioso
Nessa cauda
Aberta em leque
Me guarda moleque
De eterno brincar
Me poupa do vexame
De morrer tão moço
Muita coisa ainda
Quero olhar...
Nessa cauda
Aberta em leque
Me guarda moleque
De eterno brincar
Me poupa do vexame
De morrer tão moço
Muita coisa ainda
Quero olhar...
Pavão misterioso
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse seu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha prá contar...
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse seu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha prá contar...
Pavão misterioso
Pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda, cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!
Que não é certo não...
Pavão misteriosoPássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda, cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!
Que não é certo não...
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar...
"O Próprio Indizível Pessoal"
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