P O E M A
D
O
A
D
[riátic]O
Por
**F e r n a n d o M o n t e i ro**
O torso de beleza afastando-se
Como se afasta um afogado
Das margens da praia
Também recuada para trás
De onde o Mediterrâneo
Vinha beijar os pés das sílfides,
Debaixo do sol silencioso.
Abandonados pelas crianças,
Os brinquedos da marina
Zunem de calor no metal
Aquecido como as águas.
O planeta está mais quente
E mais enlouquecido
Entre os pios nublados
Do pássaro escondido
Em árvores molhadas
Da chuva ácida que se filtra
De um céu de tempestade.
Aviões caíram nesta manhã,
Levando passageiros
Para o fundo de uma laguna
E o nenhum lugar da selva
Remota que irá retomar
Seu espaço sobre azulejos
Encardidos e embalagens
Não-degradáveis
Num mundo que prefere o desastre.
Tudo o prenuncia, de certa forma,
E nada está perdoado
Nem foi esquecido
Com todas as coisas que já foram
E com aquelas que ainda serão
Ou que apenas dormem na tarde
À espera dos anos sem emoção.
Os humanos repousam
No sono da sombra de toldos
Estalando na Veneza insalubre
Deste lado do Atlântico
De exímios nadadores
Que não viram as crianças
Se afogando.
Sim, eu prefiro estar
Por apanhar um resfriado
Antes da peste
No limite da cerca-viva
De mato e detritos do lixo
Avançando até o antigo gradil
De gladíolos brancos.
É minha a opção de não manter
A saúde, fumar e perder esperança
Na vigilância sem objeto,
Exposto ao vento da tarde,
Ao siroco da mente
Igualmente desistindo
Das perguntas a ninguém
Muito depois de Pã
Anunciado como morto
Antes da morte dos mares.
Então, não importa molhar
Os sapatos da espuma de solfejos
Rumorejando as queixas do Adriático
Como outrora o mar dos gregos
Deixava leve gosto de salgado
Entre os artelhos limpos
De náiades banhando-se
Nos oceanos mitológicos
Que hoje são de plástico
Cor de chumbo.
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